Antonio Moura e a poesia que vai bem

Indício

A natureza reina silenciosa.

O rumor do vento nas folhas

e a onda que bate na rocha

enchendo sonora a concha do ouvido,

outros sons teriam – vento, onda –

se outra fosse a forma dos sentidos.

Todo o barulho do mundo é um marulho interior.

Fora, a vida move-se sem o menor rumor.

10612667_895688750461057_6538598490859960536_n    foto: reprodução facebook

Por Alana Menezes

Em meados da década de 60 nascia o escritor paraense Antônio Moura. De Belém para Brasília, de Brasília para São Paulo, de São Paulo para Portugal, e agora de volta à Belém, o poeta se consolidou como um dos grandes nomes da literatura contemporânea no Brasil, onde estreou há 20 anos, com o lançamento de seu livro “Dez”.

O autor não vê a prática da poesia e da literatura como uma forma de carreira, já que acredita que “uma carreira pressupõe uma relação ou mesmo uma sujeição ao mercado e eu nunca pude pensar a criação literária sujeita a este monstro onipotente de nossos dias. Jamais escrevi ou escreverei um livro pensando em agradar este ou aquele público ou se vai vender ou não”. Antônio opta por não definir suas obras, acreditando que seria uma maneira de engessá-las e de furtar do leitor a oportunidade de interpreta-las.

Crepúsculo City

Urbo rubor

                   Ruído

O sol-motor

carbura cor

         dor

                   a diesel

Para Antônio, a poesia continua sendo um sopro de vida num cenário de morte, ele que não acredita que a poesia está indo mal no mundo contemporâneo, nos diz que “acho que a poesia vai bem, o que vai mal é o mundo”. E a poesia de Antônio vai melhor impossível. 

Diferentemente de muitos autores, ele não teve medo de ousar e se aventurou em permitir que seu livro “Rio Silêncio” e alguns poemas de “Hong Kong e outros poemas” fossem traduzidos para outros idiomas, Antônio, que também é tradutor, acredita que o reconhecimento de sua obra em âmbito nacional e internacional se vale pela qualidade e força intrínsecas. Para o poeta, a importância de ter sua obra sendo traduzida é vê-la “atravessar terras e oceanos e se transformar numa outra língua em que alcançará pessoas que provavelmente jamais nela adentrariam se isso não acontecesse” afirma.

“Jamais escrevi ou escreverei um livro pensando em agradar este ou aquele público ou se vai vender ou não. Mesmo agora, que me aventuro também na escrita de um romance que está em andamento, continuo vendo a criação literária como uma forma de sobrevivência do ser diante do espanto de existir, uma forma de expressar o drama ou os dramas da condição humana, em que a única coisa a que devo colocar em primeiro plano, a que devo satisfação é a linguagem, matéria que, ligada ao pensamento, tem importância maior em todo o processo artístico.”

As dificuldades enfrentadas pelos artistas paraenses, infelizmente, já não são mais novidade para nós, muito menos para Antônio.  Ele diz que “se dependesse do apoio do Estado do Pará, de seus órgãos de cultura a minha obra nunca teria saído do zero, eu nunca teria publicado uma linha sequer. A obra ganhou o mundo por conta de sua própria força e por causa de algumas pessoas, quase todas de fora daqui, que se interessaram por ela e por impulsiona-la”. 

“Quando o trabalho, em diversas vezes, é distinguido, nacionalmente ou internacionalmente, aí os jornais publicam que “o Pará ganhou tal coisa, isso e aquilo”, quando o Pará na verdade não fez nada para isso”

Antônio Moura também ministra oficinas sobre literatura, onde o autor busca a relação da poesia com outras artes. Ele diz também que o objetivo central das oficinas é “despertar o interesse das pessoas para poder de expressão da arte, para a linguagem poética, fazê-las ver que existem múltiplas formas de se desconstruir e organizar a linguagem além do âmbito normativo que nos é imposto”, conclui. Outro projeto do poeta é a editora Edições Escriba, que será retomada de forma mais efetiva ainda esse ano.

TRAVESSIA

Um dia para atravessar – sol

entre duas noites imensas,

tendo como companhia o corpo,

este pequeno animal que não

te pertence e que, sem nada

perguntar, se oferece, devotadamente,

ao tempo, deus que também é

o próprio corpo em silêncio

Um dia para transpor tendo por alimento

a poeira da estrada que se estende

branca, do nascente ao poente e

que, lentamente, transforma-se em

riacho negro que passa sob a

ponte suspensa da Via Láctea

Ir, à outra margem, de acordo

com o que a própria ida engendra

Ora com o silvo das serpentes sob o passo

Ora andando sobre as águas do poema.

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